Crimes financeiros como evasão fiscal, corrupção e desvio de fundos do governo não são crimes sem vítimas: eles impedem o crescimento das economias em desenvolvimento que mais precisam. A União Africana, por exemplo, estima que até US$ 80 bilhões são perdidos para a corrupção todos os anos, e esse valor provavelmente está aumentando.
A investigação desses crimes, no entanto, é difícil, demorada, cara e às vezes perigosa. Jornalistas que investigam a corrupção são frequentemente ameaçados e perturbados, ou pior. Na 12ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo (#GIJC21), três jornalistas da investigação Pandora Papers – considerada a maior colaboração na história do jornalismo – deram conselhos sobre a cobertura (e descoberta) desses crimes.
O Pandora Papers reuniu 600 jornalistas de 117 países para analisar 11,9 milhões de documentos de 14 provedores de serviços offshore, ajudando a expor as riquezas offshore de líderes e políticos mundiais, bilionários e celebridades. Por mais que muitos dos investimentos, embora ocultos, não fossem ilegais, muitos contornavam as leis, enquanto outros apresentavam “uma lista global de fugitivos, vigaristas e assassinos”.
Aqui estão dicas de repórteres que trabalharam nesta história da Bósnia-Herzegovina, Quênia e Estados Unidos.
- Esclareça os fatos: a investigação do Pandora Papers continuou a causar confusão desde que as reportagens começaram a ser divulgadas no início de outubro. Claro, essas peças provocaram indignação e acusações de “fake news” por aqueles cujos negócios no exterior foram expostos. A melhor defesa diante desses ataques é esclarecer os fatos, disse Purity Mukami, jornalista de dados do Finance Uncovered. Isso ajudará a evitar o aparecimento de enviesamento. “Lembre-se sempre de que a qualidade de sua investigação determinará o tipo de impacto que ela terá sobre o público”, disse ela. Enquanto isso, a ferramenta mais importante é a papelada: tenha os documentos financeiros para apoiar tudo o que você escreveu.
- Não tenha pressa para publicar: essas histórias não são notícias de última hora e não devem ser tratadas como tal. Jornalistas envolvidos na investigação do Pandora Papers passaram dois anos estudando e separando arquivos, buscando fontes e analisando registros públicos e outros documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Eles não tinham pressa em publicar. Miranda Patrucic, repórter investigativa e editora regional do Projeto de Jornalismo sobre Corrupção e Crime Organizado (OCCRP, na sigla em inglês), disse que é importante lembrar que escrever leva tempo. “Portanto, leve o tempo que for necessário e não tente escrever com pressa”, disse ela. “Escreva. Edite. Reescreva. Edite. Reescreva.”
- Colaboração é a chave: ao investigar a rede de empresas offshore no Panamá e nas Ilhas Virgens Britânicas possuídas em segredo por sete membros da família do presidente queniano Uhuru Kenyatta, Mukami não sabia como fazer para analisar os 20.000 documentos contendo os dados de que ela precisava. Através de colaboração, ela foi capaz de criar listas a partir dos documentos, conduzir pesquisas em lote e organizar suas descobertas por meio de linhas do tempo e diagramas. “A colaboração é fundamental para investigar crimes financeiros”, disse Mukami. “Você sempre precisará de alguém para pedir ajuda sobre algo enquanto trabalha em seu projeto.”
- Esteja atento à segurança: embora seja importante investigar negócios financeiros ilícitos envolvendo políticos, celebridades e líderes religiosos, lembre-se sempre de que não vale a pena morrer por nenhuma história. Kunda Dixit, editor do Nepali Times, disse que é fundamental que os repórteres sempre avaliem sua segurança e estejam vigilantes ao realizar investigações sobre crimes financeiros. Afinal, algumas pessoas poderosas têm muito a perder se certos segredos forem revelados e podem agir por desespero. Tenha isso em mente ao começar a sondar o que muitos não querem que você saiba.
- Entenda como esses crimes funcionam: você deve primeiro entender os crimes para poder descobrir as informações corretas. Scilla Alecci, repórter e coordenadora de parcerias do ICIJ, disse que descobrir como funciona a rede e quem são os facilitadores é importante. Além disso, verifique se as atividades envolvem trusts – um acordo legal que permite a um terceiro (geralmente um provedor de serviços financeiros) manter ativos em nome do beneficiário. “Eles podem ser usados para ocultar os proprietários reais e adicionar outra camada de sigilo de propriedade a uma estrutura já complexa”, disse Alecci. E descubra exatamente como a fraude e a lavagem de dinheiro funcionam em jurisdições específicas.
- Persista: investigar crimes financeiros exige muito esforço e criatividade. Às vezes, você tem que pensar como um criminoso. “Existem várias técnicas de investigação que devem ser utilizadas para iniciar o processo de tirar o véu do sigilo”, disse Patrucic. “Mas não há fórmula exceto ser tão criativo quanto o criminoso.” Isso significa ter mais munição que os criminosos e as armas escolhidas sempre serão documentos, mesmo que isso exija bater de frente com funcionários do governo que tentem escondê-los. Além disso, lembre-se de que alguns desses documentos financeiros podem ser encontrados em outros países. Veículos como o ICIJ têm milhões de declarações financeiras e registros que podem ajudar os jornalistas na investigação de crimes financeiros com dados para suas histórias que, de outra forma, não seriam capazes de obter.
- Mantenha-se organizado: se afogando em papéis? Isso é normal para jornalistas que trabalham em histórias de crimes financeiros. Para não se perder, mantenha-se organizado: crie linhas do tempo, índices, listas e tabelas. Faça do Excel seu melhor amigo. Crie bancos de dados. Isso o ajudará a ficar por dentro das informações e também a identificar as inconsistências e o quadro geral entre os dados.
Repórteres também podem conferir o capítulo sobre lavagem de dinheiro de Paul Radu do OCCRP no Guia da GIJN sobre Crime Organizado.