O perfil global do Telegram aumentou muito nos últimos meses, já que é uma das poucas plataformas de mídia social ainda disponíveis na Rússia e um canal importante para reportagens da Ucrânia, devastada pela guerra. Mas mesmo antes disso, o aplicativo vem crescendo em popularidade entre aqueles que buscam comunicações anônimas, livres da censura do governo e entre os neonazistas, apoiadores do Estado Islâmico e traficantes de drogas que encontraram terreno fértil para suas atividades na plataforma.
Apesar – ou por causa – dessa reputação um tanto duvidosa, o Telegram também pode ser uma ferramenta de pesquisa valiosa, permitindo que jornalistas extraiam informações e investiguem grupos de pessoas cujo conteúdo é banido ou limitado em outras redes sociais (geralmente por violar termos de uso ou leis de discurso de ódio). Também é útil para rastrear protestos e outros movimentos sociais em países autoritários, como a Rússia, onde o aplicativo ainda funciona.
[Nota: há um debate sobre o quão seguro o Telegram realmente é. Os canais do Telegram e os bate-papos em grupo não são criptografados de ponta a ponta e não protegem a identidade dos usuários. Os bate-papos individuais também não são totalmente criptografados, a menos que os usuários ativem a função “chat secreto”.]
Para esta cartilha sobre o Telegram, a GIJN baseou-se fortemente no Telegram 101 for Journalists, um webinar do Centro de Mídia, Política e Políticas Públicas Shorenstein da Harvard Kennedy School. O evento contou com a especialista em desinformação da mídia Jane Lytvynenko, pesquisadora do Centro, que discutiu as melhores práticas no uso do Telegram para reportagens investigativas.
Telegram 101
Fundado em 2013 por Pavel e Nikolai Durov, os dois irmãos russos por trás do VKontakte, rede social semelhante ao Facebook, o Telegram ostentava mais de 550 milhões de usuários em todo o mundo em janeiro de 2022. Seu apelo: uma reputação de privacidade nas comunicações e no comércio.
O Telegram também se distingue de outras plataformas sociais ou de mensagens com sua vigorosa proteção de privacidade e políticas de liberdade de expressão. Isso fica evidente em sua página de perguntas frequentes, onde afirma: “Se criticar o governo é ilegal em algum país, o Telegram não fará parte dessa censura politicamente-motivada”.
De acordo com essa filosofia, a empresa diz que não compartilha dados de usuários com governos, a menos que seja obrigado. “Se o Telegram receber uma ordem judicial que confirme que você é um suspeito de terrorismo, podemos divulgar o seu endereço IP e seu número de telefone para as autoridades competentes”, diz a política de privacidade. “Até agora, isso nunca aconteceu.” Outros são mais cautelosos: o modelo de segurança do Telegram, alerta a Electronic Frontier Foundation, “exige que os usuários confiem muito na capacidade do Telegram de proteger os dados do usuário”. [Nota do editor: Após a publicação deste artigo, a Der Spiegel publicou uma história que descobriu, ao contrário das alegações do Telegram, que a empresa compartilhou dados privados de usuários com as autoridades alemãs em casos de suposto terrorismo e violência sexual infantil. Nem o Telegram nem os irmãos Durov responderam aos pedidos de comentários da Der Spiegel.]
Na verdade, Pavel Durov, de 37 anos, com um patrimônio líquido estimado em US$ 15 bilhões, tomou medidas demonstrando seu compromisso com a liberdade da interferência do governo. Ele fugiu da Rússia, em 2014, ao se recusar a cooperar com as demandas do Kremlin após a anexação da Crimeia pelo país. As tentativas do governo alemão de multar o Telegram por falta de moderação para conteúdo ilegal acabaram em um beco sem saída: um escritório do Telegram vazio em Dubai, Emirados Árabes Unidos.
O Telegram tem altas taxas de adesão em vários países com histórico ruim de liberdade de expressão. É o aplicativo de mensagens mais popular em várias ex-repúblicas soviéticas (Bielorrússia, Cazaquistão e Quirguistão), bem como na Venezuela, Jordânia e Camboja, de acordo com dados publicamente disponíveis do Similarweb, um site de análises. As maiores audiências nacionais do Telegram, de acordo com o TGStat, um site de métricas, estão na Rússia e no Irã, seguidos pela Índia e pelo Uzbequistão.
O aplicativo tem sido usado para comunicação em zonas de guerra, proteger fontes jornalísticas e evitar hackers. Isso se deve a vários aspectos importantes da plataforma:
- Criptografia de ponta a ponta de mensagens diretas, se os usuários usarem um “chat secreto”. Esse recurso de privacidade é graças ao Telegram não depender de software de terceiros para fazer backup ou armazenar dados do usuário. Também não armazena chats secretos em seus servidores;
- Modo de autoexclusão, um recurso importante que permite aos usuários definir uma data de expiração para as mensagens, que pode ser após alguns segundos ou alguns dias. Isso é particularmente útil se você estiver compartilhando informações confidenciais ou correndo o risco de ter seu telefone confiscado;
- A capacidade de anonimizar seu perfil ocultando seu número de telefone de todos os usuários, incluindo contatos em seu telefone. O aplicativo também permite que você tenha um nome de usuário vazio.
Usando o Telegram como uma ferramenta de investigação
Arquivamento
Lytvynenko recomenda baixar a versão para desktop do Telegram.org para usar as funções de arquivamento e download que não estão disponíveis no celular. Ao contrário de muitos outros aplicativos de mídia social ou mensagens, o Telegram facilita o arquivamento de imagens, vídeos e outros materiais – incluindo metadados vitais – postados no aplicativo. Na verdade, o aplicativo de desktop permite que você baixe canais inteiros em formato HTML. E toda essa evidência documental, quando devidamente arquivada, pode ser uma mina de ouro para repórteres investigativos.
Chats em grupo
Os bate-papos em grupos públicos e semipúblicos do Telegram permitem até 200.000 usuários. “Isso é incrivelmente importante porque muita coordenação, particularmente em solo ucraniano, agora acontece nesses enormes bate-papos em grupo”, disse Lytvynenko. Ela recomenda pesquisar esses bate-papos em outras plataformas de mídia social para encontrar fontes.
Canais
Os canais são meios unidirecionais de compartilhamento de conteúdo no Telegram e podem ser privados ou públicos. Eles são uma ótima maneira de reunir notícias e informações de meios de comunicação, funcionários e indivíduos influentes. Algumas redações têm seus próprios canais verificados no Telegram, identificáveis com um selo azul.
Bots
Para distingui-los dos usuários humanos no Telegram, os bots são claramente identificados com nomes de usuário que terminam em “bot” (Por exemplo, @FBvidzBot baixará qualquer vídeo do Facebook quando você fornecer um hiperlink). Qualquer pessoa pode criar – e gerenciar – bots do Telegram usando a ferramenta BotFather. O Telegram também tem seus próprios bots internos que respondem às solicitações dos usuários e realizam muitas outras tarefas. Todos os bots, incluindo o seu, se você iniciar um, podem ser encontrados no diretório do Telegram: t.me/<bot_username>.
Dicas para pesquisar no Telegram
“A Pesquisa Global não usa funções de pesquisa avançada como você esperaria no Google ou no Twitter, então você realmente precisa pensar nos termos-chave que podem ser úteis para você”, disse Lytvynenko sobre a função de pesquisa do próprio Telegram. Em vez disso, ela aconselhou o uso da pesquisa avançada do Google para descobrir canais, o que pode ser feito usando a seguinte fórmula na barra de busca:
“site: t.me/* (palavra-chave1 OR palavra-chave2)”
Example: site: t.me/* (Ucrânia OR 🇺🇦)
“O asterisco significa que o Google preencherá o nome de usuário para nós”, explicou Lytvynenko. Esta fórmula ajudará você a encontrar os principais canais do Telegram indexados pelo Google. “Isso não vai te dar chats em grupo, e isso não vai te dar canais de nicho, mas é uma boa maneira de começar sua pesquisa no Telegram, com base no que você está procurando.”
Para pesquisar canais compartilhados no Twitter, Lytvynenko aconselhou usar a barra de pesquisa do Twitter com esta fórmula:
“t.me (palavra-chave)”
Tanto o Google quanto o Twitter respondem a pesquisas booleanas básicas, então você também pode usar as seguintes entradas de pesquisa mais simples:
palavra-chave1 AND palavra-chave2
palavra-chave1 OR palavra-chave2
Mas não limite suas pesquisas apenas ao texto. Por exemplo, ao investigar a guerra da Rússia na Ucrânia, Lytvynenko aconselhou pesquisar o emoji da bandeira de um dos países (🇷🇺 e 🇺🇦), o que é muito utilizado nas redes sociais.
Pesquisando em grupos do Facebook
“Particularmente na Ucrânia, e também com outras revoluções e guerras, vimos grupos do Facebook se tornarem centros de coordenação, o que significa que eles também são centros para canais do Telegram”, disse Lytvynenko, observando o hábito dos usuários do Facebook que compartilham maneiras de mover suas conversas para uma plataforma mais segura. Filtrar os grupos do Facebook no início de sua investigação pode ajudá-lo a identificar canais ou grupos do Telegram mencionados pelos usuários nos quais você está interessado.
Os usuários podem não estar cientes de que suas postagens em grupos são visíveis para não membros, portanto, tenha cuidado ao expor suas identidades se você compartilhar suas postagens.
- Procure grupos do Facebook relacionados ao tópico escolhido;
- Pesquise dentro de um grupo do Facebook com “t.me” para encontrar os canais do Telegram compartilhados no grupo;
- Use a função de filtros para classificar ou pesquisar postagens por data, local e muito mais.
TGStat
O TGStat não ajudará você a identificar um canal, mas a aprender mais sobre um que você já está estudando. Ele funciona como um agregador de métricas, incluindo, mas não se limitando a dados como:
- Um catálogo de canais existentes por país, temas e muito mais;
- Tamanho e audiência dos canais e grupos;
- Palavras-chave que podem ser úteis para acompanhar seus assuntos;
- Acompanhamento de crescimento por hora.
“É uma ótima ferramenta além da pesquisa”, explicou Lytvynenko. “É algo que lhe dará uma análise em massa dos canais do Telegram, incluindo quantos assinantes eles têm e suas mensagens mais recentes, além de outros dados agregados”.
No TGStat, você também pode monitorar o crescimento de um canal ao longo do tempo, o número de visualizações que ele obtém e o alcance médio das postagens. Esses foram indicadores úteis antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, de acordo com Lytvynenko.
O site também fornece informações sobre as redes em torno do seu canal de destino, como quais canais o seguem e quais são mencionados pelos usuários em seu canal analisado.
Durante a guerra na Ucrânia, disse Lytvynenko, o TGStat tem sido usado para mapear o ecossistema relevante de canais e ajudar os usuários a identificar:
- Esforços de coordenação em solo na Ucrânia;
- Contas espalhando ideologia;
- Novas contas importantes que você deve monitorar.
Criar um feed de notícias no aplicativo permitirá que você acompanhe os canais que deseja monitorar. “Também é útil porque você começa a ver quais canais estão coordenando e postando a mesma mensagem ao mesmo tempo”, disse Lytvynenko.
O Telegram pode ser um ótimo ponto de partida para sua investigação, seja pesquisando comunidades e ideologias online ou relatando um conflito em andamento, como a guerra na Ucrânia. A combinação de todas as ferramentas de pesquisa listadas acima com um espaço de trabalho digital eficiente e um poderoso banco de dados de sua autoria garantirá que você não se perca na quantidade de dados que provavelmente coletará. Por fim, preste atenção ao que você compartilha no Telegram se estiver tentando permanecer anônimo: Lytvynenko aconselha o uso de uma VPN ou um uma identidade falsa por segurança.
Para mais dicas sobre como usar o Telegram, confira este guia do Media Manipulation Casebook, uma plataforma de pesquisa digital.
Recursos adicionais
‘Reportando do exterior’: lições de jornalistas investigativos no exílio
Dicas para arquivar mensagens de Telegram sobre a guerra Rússia-Ucrânia
Recursos de jornalismo para acompanhar os eventos na Ucrânia
Smaranda Tolosano gerencia traduções e parcerias para GIJN. Ela reportou anteriormente para a Thomson Reuters Foundation no Marrocos, cobrindo o uso de spyware pelo governo para atingir dissidentes do regime e o surgimento de movimentos feministas nas mídias sociais.