Dicas para investigar governos que blindam crime e corrupção

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governos que blindam crime e corrupção

Imagem: Shutterstock

O que você faz quando as instituições governamentais protegem seus funcionários corruptos das investigações da mídia?

Em uma sessão intitulada “Crimes e delitos graves” na 12ª Conferência de Jornalismo Investigativo Global (#GIJC21), um painel diversificado de repórteres do Líbano, Libéria, Rússia, Sudão e Ucrânia sugeriram estratégias para descobrir fatos de órgãos governamentais inflexíveis, encontrar denunciantes e cobrar a prestação de contas de funcionários aparentemente acima da lei.

Aqui estão algumas dicas da sessão.

Use as redes sociais para levantar registros públicos

A jornalista freelance Bettie K. Johnson-Mbayo disse que os órgãos de supervisão do governo na Libéria ignoraram ou protelaram vários de seus pedidos de registros públicos quando ela estava investigando ativos ocultos de políticos e se as novas regras anticorrupção eram eficazes. Então, ela se voltou para as redes sociais e descobriu que vários legisladores e seus cônjuges postavam sobre suas fazendas, carros de luxo e casas de férias – o que ela poderia então verificar em documentos oficiais de declaração de ativos.

Johnson-Mbayo descobriu que um legislador, por exemplo, deixou de declarar sua fazenda de óleo de palma e borracha – pesquisando nas redes sociais de sua família. “A conta de mídia social de sua esposa nos informou exatamente o que estávamos procurando”, disse ela.

Johnson-Mbayo disse que a persistência – e um comportamento profissional – podem ajudar a persuadir os funcionários relutantes a acatar as solicitações relacionadas a leis de acesso à informação (FOI, na sigla em inglês). Ela eventualmente obteve 25 dos 29 formulários de declaração de bens que solicitou de uma agência, relativos a candidatos às eleições em dezembro de 2020. Ela descobriu que 16 dessas 25 declarações continham problemas significativos – não apenas com bens não declarados, mas também muitos “bens listados, como casas, com preços muito mais altos do que valiam, uma técnica bem conhecida para esconder dinheiro que não pode ser explicado”.

“Na Libéria, o acesso aos documentos é difícil, mas eles existem”, observou ela. “As pessoas podem ser demitidas ou perseguidas se divulgarem documentos confidenciais. Muitas vezes, quando você reclama sobre a resposta de solicitações de FOI, eles simplesmente não se importam – mas também descobrimos que [os funcionários] demoravam apenas para ver se você realmente desejava as informações. Portanto, seja persistente”.

Contradições em documentos para revelar corrupção

A persistência também surgiu como a principal estratégia do Slidstvo.Info – um site de notícias investigativo e independente da Ucrânia – quando seus repórteres investigaram a corrupção em altos níveis do judiciário.

Anna Babinets, editora-chefe da agência e editora regional do Projeto de Investigação sobre Crime Organizado e Corrupção (OCCRP), alertou que a investigação de juízes e seus vínculos com funcionários do governo pode desencadear perseguição policial e ordens judiciais punitivas contra jornalistas – mas que o esforço é importante o suficiente para justificar esse risco.

Por exemplo, sua equipe usou um vídeo oficial da polícia para mostrar que um juiz foi pego dirigindo embriagado e, em seguida, comparou essa evidência com a decisão de outro juiz de que não havia provas de que seu colega estava bêbado.

“Obtivemos registros e descobrimos que… O sistema judicial é uma das estruturas mais corruptas entre as instituições oficiais da Ucrânia”, disse Babinets. “Não é fácil investigar juízes, e os juízes ucranianos acreditam que os jornalistas são seus inimigos. Mas achamos que é muito importante mostrar a vida real dos magistrados”.

Considere táticas de alto risco apenas como último recurso

Em histórias em que não há outra maneira de investigar questões de grande interesse público, alguns jornalistas passaram a fazer reportagens infiltrados. Esse foi o caso de Fateh Al-Rahman Al-Hamdani, um jornalista freelance no Sudão, que passou 18 meses infiltrado em escolas religiosas para documentar ataques sistemáticos e prisão de jovens estudantes para a BBC News Arabic. Mas essa tática quase não deu certo. A certa altura, ele foi pego dentro de uma escola usando seu telefone para filmar clandestinamente crianças acorrentadas e teve que fugir rapidamente a pé.

Apele ao tribunal de opinião pública

Alia Ibrahim, cofundadora da Daraj Media, uma organização independente de mídia digital com sede em Beirute, disse que ter um perfil de classe alta pode fornecer uma certa proteção, tornando as investigações difíceis, mas que ainda existem maneiras de investigar indivíduos poderosos.

Ibrahim citou duas histórias da Daraj – bem como várias investigações paralelas de outras redações e o Pandora Papers – que revelaram a riqueza offshore oculta e supostos conflitos de interesse do outrora altamente respeitado governador do banco central do Líbano, o chefe de banco central com mais tempo de serviço no mundo.

Ibrahim disse que a reputação internacional do governador significava que ele era um dos funcionários mais respeitados do país, mas conforme as pessoas ficaram sabendo das investigações sobre sua riqueza pessoal e de um cargo que ele exerce em uma empresa privada, uma posição que não é permitida pela lei libanesa, questões sobre a credibilidade dele começaram a ser levantadas.

“Por três décadas, esse homem parecia acima de qualquer suspeita – internacionalmente, considerado a pessoa mais respeitada”, disse Ibrahim. Isso mudou praticamente “da noite para o dia”.

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Imagem: Captura de tela

“Por meio do Pandora Papers, também pudemos provar que ele administrava outra empresa, o que é uma violação da lei”, alegou.

Embora o governador permaneça em seu cargo, Ibrahim disse que as investigações acabaram com sua reputação cuidadosamente construída  – e, portanto, sua influência – tanto local quanto internacionalmente.

Procure resistência dentro da burocracia

Maxim Litavrin, um jornalista baseado em Moscou, do meio de comunicação independente Mediazona, descreveu o poder de reportar sobre repressão com infográficos – e a influência da consciência moral dentro de qualquer governo.

Litavrin enfatizou que sempre há indivíduos dentro das burocracias do governo que discordam das políticas repressivas e apóiam a responsabilização e a reforma. Portanto, é fundamental acessar essas fontes e usar com segurança suas informações para revelar abusos.

“Sei que pode parecer simples, mas juro que funciona: crie uma lista de quem-pode-saber, com cargos e nomes; elimine pessoas inacessíveis ou improváveis, como o presidente; e pergunte como você pode se conectar com as pessoas restantes ”, explicou ele. “Nos protestos bielorrussos de 2020, muitas pessoas foram feridas pela polícia, mas não havia estatísticas oficiais sobre isso. Descobrimos que muitos [funcionários] ficaram chocados com a brutalidade policial e encontramos um denunciante”.

Litavrin recomendou o uso de ferramentas de código aberto gratuitas como Flourish e Datawrapper para ilustrar a repressão do governo. Mas ele disse que as ferramentas autoconstruídas são ainda melhores para as redações que podem contratar programadores.

Ibrahim resumiu o desafio que os repórteres enfrentam ao investigar crimes mais graves: “Esses problemas crônicos que todos nós compartilhamos – de abusos da polícia a comprometimento do judiciário e falta de responsabilidade: é realmente a mesma história que perseguimos em todos os nossos países. Ainda estamos para ver o tipo de responsabilização que nossas descobertas exigem”.

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