Lições da pandemia: investigando saúde e indústria farmacêutica

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investigando saúde e indústria farmacêutica

COVID-19 lançou jornalistas para o setor de saúde e farmacêutico. Ilustração: Marcelle Louw

Alegações conflitantes, um dilúvio de dados e um vírus novo e misterioso – a pandemia de COVID-19 colocou os jornalistas em uma situação difícil, confrontando as complexas áreas da saúde pública e do desenvolvimento de medicamentos. Mesmo assim, as investigações durante a pandemia denunciaram corrupção e fraude, expuseram conflitos de interesse e evidenciaram a influência das empresas farmacêuticas, ao mesmo tempo que educavam o público sobre vacinas e tratamentos.

Para jornalistas novos nas áreas de saúde e farmacêutica, a pandemia forneceu lições valiosas sobre como aprimorar nossas habilidades investigativas, responsabilizar funcionários públicos e a indústria farmacêutica e manter nossa independência como jornalistas. Mas também ressalta o dano que a desinformação, dados duvidosos e uma compreensão insuficiente do assunto podem causar – e como é fácil para os jornalistas caírem em armadilhas.

Em um painel na 12ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo (#GIJC21), Fabiola Torres, fundadora e diretora da Salud Con Lupa, membro da GIJN com base no Peru, e Catherine Riva e Serena Tinari, co-fundadoras da organização independente de investigação de saúde Re-Check, falaram sobre esses perigos, compartilhando dicas para se aprofundar em investigações de saúde no futuro – e as armadilhas a serem evitadas. Aqui estão sete dicas destas importantes jornalistas de saúde:

1. Aprenda como funcionam os sistemas de saúde

“É preciso saber o que é normal para dizer o que é excepcional”, disse Tinari, dando como exemplo as aprovações de vacinas de COVID-19 extremamente rápidas. O procedimento de aprovação de medicamentos pré-COVID-19 era um processo longo e demorado, mas necessário, explicou Riva: “Não é apenas burocracia, é para proteger o paciente e o público… uma estrutura regulatória para evidenciar o melhor conhecimento e evidências para que possam dizer que têm uma relação entre o que é benéfico e o que não é, que deve ser favorável ao público. ”

Há muito tempo há pressão da indústria farmacêutica para agilizar esses processos e a COVID-19 fez exatamente isso, comprimindo esses procedimentos em alguns meses, acrescentou Riva. Os efeitos desse processo de aprovação “superacelerado” em termos dos dados coletados e as expectativas da indústria no futuro estão prontos para serem investigados.

2. Compreenda os formatos de testes de medicamentos – e suas diferenças

Os testes de medicamentos são projetados para responder a diferentes perguntas. Os jornalistas precisam entender o que um estudo específico está examinando e o que ele pode e não pode nos dizer sobre uma droga. Esse contexto também deve ser refletido nos reportagens. O Guia de Investigação de Saúde e Medicina da GIJN (em inglês) – escrito por Riva e Tinari – ilustra os diferentes projetos de testes de drogas para ajudar os jornalistas a se familiarizarem com as diferentes metodologias.

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O Guia de Investigação de Saúde e Medicina da GIJN ilustra os diferentes formatos de testes de medicamentos para ajudar os jornalistas a cobrir a saúde pública.

Fique atento aos “sinais de alerta”, por exemplo, quando o projeto de um teste já está inclinado em direção a um resultado específico, ou quando o tamanho da amostra ou dos resultados não são tão significativos quanto afirma a pesquisa, disse Torres.

3. Fique atento a Ciência e Regulamentação por Comunicado de Imprensa

Uma nova vacina ou medicamento é anunciada como uma revolução no mercado por um comunicado à imprensa? Verifique a fonte, quais seus interesses e os detalhes de quaisquer testes – sua duração, seu foco e o que especificamente foi testado.

Veja, por exemplo, a análise do Re-Check de um comunicado de imprensa de novembro de 2020 da Pfizer e BioNTech, alegando que sua nova vacina protegeria 95% das pessoas contra a COVID-19 – uma afirmação amplamente divulgada pela mídia internacional. “Não tínhamos dados, apenas tínhamos a palavra da Pfizer e nos disseram que deveríamos acreditar neles”, disse Riva. “Não é suficiente basear conclusões e tomar decisões de saúde pública com base nas afirmações de uma empresa farmacêutica.”

4. Compreenda o impacto das aprovações de uso emergencial nos dados de testes

O impacto das aprovações de uso emergencial para vacinas da COVID-19 na qualidade dos dados de testes de drogas sugere que o uso mais amplo de aprovações “superaceleradas” para novas drogas “pode ser uma má ideia”, disse Riva. “Depois de abrir essa porta, é muito difícil dizer a outras empresas farmacêuticas que seus produtos devem ser aprovados de forma regular… Torna-se muito difícil justificar.”

Esses testes acelerados duram apenas alguns meses e, uma vez que um medicamento está no mercado, não há mais um grupo de controle. “Os dados que obtemos em testes são de qualidade superior ao que você pode coletar na vida real”, explicou ela. “Na vida real, você tem muitos fatores que interferem. Ao passo que, quando você estuda uma droga em um ensaio clínico, existem regras.

5. Investigue conflitos de interesse

Funcionários públicos ou profissionais de saúde com conflitos de interesse ou influenciados por empresas farmacêuticas são uma fonte rica de histórias para os investigadores. Um excelente exemplo: a investigação Vacunagate da Salud Con Lupa sobre corrupção política ligada a doses secretas de vacinas oferecidas por uma empresa farmacêutica chinesa. Verificar a existência de conflitos e encontrar fontes independentes pode ajudar a estabelecer seu relato como transparente e livre de influência.

Verifique se as fontes ou investigados têm conflitos de interesse olhando as divulgações em periódicos médicos e periódicos compartilhados pela International Society of Drug Bulletins, os detalhes de registro de patentes médicas e também perfis de mídia social. Alguns países têm bancos de dados que registram as relações financeiras entre funcionários da saúde e a indústria farmacêutica, como o banco de dados Open Payments nos Estados Unidos.

“Procure identificar alguém que não esteja envolvido na investigação, conheça a área e o tema, mas seja um especialista independente nessa área”, disse Torres.

6. Reformule sua reportagem

“A questão mais importante a se considerar ao cobrir a saúde é como isso afetará a vida dos leitores”, disse Torres. Esta é uma estratégia útil quando você é confrontado com uma enorme quantidade de novos dados, pesquisas ou pistas para investigação. A ferramenta da Salud Con Lupa que analisa os tratamentos mais utilizados para a COVID-19 permitiu aos leitores verificar 42 medicamentos ou remédios classificados em uma escala de “sem suporte científico” a “tratamento padrão”.

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A ferramenta da Salud con Lupa que analisa as principais terapias para a COVID-19. Imagem: Captura de tela

7. Veja o que não foi relatado

O desenvolvimento de medicamentos e vacinas, o processo de aprovação e a ciência da COVID-19 têm evoluído rapidamente e frequentemente têm mantido a mídia ocupada com as últimas atualizações. Olhar para o que não foi relatado é uma oportunidade para jornalistas – durante esta pandemia e no futuro. “Por exemplo, ainda não sabemos o suficiente sobre os interesses de médicos, cientistas e acadêmicos que assessoram o governo”, disse Torres.

Retratações, sejam elas centradas na eficácia de um tratamento ou no desenvolvimento de uma vacina, também foram pouco reportadas. Um lugar prático para começar é o The Retraction Watch, um banco de dados e blog, que documenta artigos de pesquisa retratados e pesquisas contestadas.

Para obter mais conselhos de especialistas, confira o Guia de Investigação de Saúde e Medicina da GIJN, por Riva e Tinari do Re-Check, disponível em sete idiomas.

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