Silenciando a imprensa: uma década de assassinatos de jornalistas na América Latina

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Um manifestante segura um cartaz de Regina Martínez, jornalista mexicana morta em 2012. O cartaz diz: “Você não mata a verdade matando o jornalista”. Imagem: CIMAC / Creative Commons

Apurações envolvendo política, corrupção e crime organizado em cidades pequenas e médias no Brasil, México, Colômbia e Honduras estão na origem dos 139 casos de assassinatos de comunicadores identificados pela Repórteres sem Fronteiras (RSF) entre 2011 e 2020. Metade dos jornalistas já havia registrado ter recebido ameaças por conta de seu trabalho.

No âmbito do projeto “Sob Risco – Análise dos programas de proteção a jornalistas na América Latina”, apoiado pela UNESCO, a RSF analisa as principais formas de execução de jornalistas para melhor compreender os desafios colocados ao programas de proteção da profissão. Para este estudo, a RSF se baseou nas informações de seu Barômetro, que registra as principais agressões cometidas contra jornalistas no mundo.

A América Latina foi, em 2020, a região com o maior número de jornalistas mortos em função do exercício da profissão. Juntos, os quatro países citados acima foram palco de 80% dos assassinatos de jornalistas cometidos nesta parte do mundo durante o período de 10 anos, de acordo com dados coletados pela RSF.

A análise dos dados foi feita em parceria com o Volt Data Lab, que produziu os gráficos que ilustram esta publicação.

A análise dos dados revela ainda que 39% deles cobriam temas relacionados à política. Outros temas mais frequentemente cobertos pelos jornalistas assassinados são crime organizado e corrupção. Os alvos prioritários são exatamente os jornalistas que estão nas ruas, denunciando e criticando ilegalidades em suas cidades.

Execuções planejadas

O uso da expressão “alvo” não é utilizado à toa. Em 92% dos casos analisados, a circunstância do crime revela que os agressores conscientemente visaram um jornalista específico. Do total de mortes ocorridas entre 2011 e 2020, somente 7,2% (10 casos de um total 139) ocorreram durante coberturas de risco, quando o jornalista acabou sendo atingido de maneira não necessariamente intencional.

Embora uma parte dos jornalistas tenha sido atingida dentro de seu local de trabalho, como na redação do veículo ou em frente a sede da emissora ou do jornal, a maioria (58%) foi alvejada nas proximidades de sua residência ou a caminho de casa ou do trabalho. As circunstâncias nas quais uma grande parte desses crimes foi cometida se mostram idênticas: os jornalistas vinham sendo vigiados por seus agressores e sua execução foi claramente planejada por assassinos profissionais.

Uma maioria de vítimas masculinas e vivendo em cidades pequenas

A maior parte das vítimas (93%) é de homens. A minoria de jornalistas do sexo feminino vitimadas, entretanto, não permite afirmar que as mulheres estão mais protegidas. Na América Latina, onde 41% dos repórteres são mulheres, as comunicadoras são silenciadas por violentas campanhas de ameaça e assédio, praticadas geralmente no ambiente digital, contra elas e suas famílias, às vezes diretamente por aqueles que ocupam espaços de poder.

O estudo da RSF mostra ainda que os jornalistas que atuam em cidades menores correm mais risco. Entre aqueles que perderam a vida, 56% viviam em localidades com menos de 100 mil habitantes. E ao menos 54% dos jornalistas assassinados em cidades com população entre 100 mil e 500 mil habitantes – consideradas como médias no Brasil, México e Colômbia – já haviam recebido ameaças antes de serem executados.

Os números apontam para um padrão diverso daquele que pode ser imaginado popularmente, do jornalista investigativo de uma grande capital, que trabalha para um grande veículo e que perde a vida ao fazer denúncias de impacto nacional. Pelo contrário, a maior parte dos jornalistas que foram eliminados no Brasil, no México, na Colômbia e em Honduras entre 2011 e 2020 viviam longe dos grandes centros, trabalhavam muitas vezes em situações precarizadas, para mais de um veículo, e cobriam temas que tocavam muito de perto os detentores do poder local e suas comunidades.

A urgência de programas de proteção mais efetivos

Outro dado bastante relevante mostrado pelo estudo é que uma parte importante das 139 mortes registradas poderia ter sido evitada. Pelo menos 45% das vítimas já haviam recebido ameaças e as registrado publicamente – seja para os veículos para os quais trabalhavam, seja em suas páginas pessoais em redes sociais, seja para as próprias forças de segurança nas cidades em que viviam.

Entretanto, somente 10 jornalistas entre os 139 casos analisados – nenhum deles mulheres – contavam com medidas de proteção do Estado. O número representa 7,2% do total das vítimas, e cerca de 16% daqueles que haviam registrado ameaças. Tais dados levantam para a RSF o questionamento de por que apenas uma minoria de jornalistas vitimados contava com medidas de proteção. E por que 10 jornalistas que contavam com medidas de segurança perderam a vida neste período.

Apesar de Brasil, México, Colômbia e Honduras não serem países oficialmente em guerra, seus números preocupam. Ao final de 2020, o Balanço anual da RSF revelou o México como o país mais perigoso para a profissão em todo o mundo, com pelo menos oito casos de jornalistas executados, às vezes de maneira selvagem, por terem investigado os vínculos entre o crime organizado e a classe política.

Violência estrutural

Considerada a forma mais extrema de censura existente, o assassinato de jornalistas é, entretanto, apenas a ponta do iceberg de uma espiral de violência contra a imprensa. Uma prática que faz parte de um cenário mais amplo de ameaças permanentes e de violência estrutural na região, que atinge de maneira sistemática defensores e defensoras de direitos humanos e todos que trazem a público denúncias contra grupos poderosos – seja o poder político formalmente instituído, seja o poder paralelo de organizações criminosas.

Quando um país é palco de uma situação estrutural de violência contra a imprensa, não é apenas a liberdade de expressão individual desses jornalistas que é afetada, mas também o direito coletivo à informação de toda uma sociedade. Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, “o exercício do jornalismo só pode acontecer livremente quando as pessoas que o realizam não são vítimas de ameaças ou de agressões físicas, psíquicas ou morais, ou de outros atos de hostilidade”.

Esses comunicadores foram permanentemente silenciados em função do contexto político e de segurança pública no local em que viviam, que não lhes garantiu as condições para exercer sua profissão em segurança. Além disso, a maior parte dos veículos para os quais trabalhavam era muito frágil para assegurar sua proteção e 10% deles eram jornalistas totalmente independentes ou que colaboravam com rádios comunitárias.

Entender como as políticas públicas nacionais voltadas à proteção de jornalistas podem contribuir para mudar essa triste realidade é um dos desafios do projeto Sob Risco, que conta com o apoio da UNESCO. Ele visa a avaliar a implementação e efetividade dos mecanismos de proteção a comunicadores nesses quatro países. Entendendo como dever dos Estados garantir condições para o livre e seguro exercício do jornalismo, ao final do do projeto a RSF apresentará ao poder público um informe detalhado com recomendações estratégicas que possam contribuir para o fortalecimento dessas iniciativas.

Esta é uma versão editada de um artigo publicado pela Repórteres Sem Fronteiras. Você pode ler o original aqui. Foi republicado com permissão.

Recursos adicionais

Centro de recursos da GIJN: Proteção e segurança (inglês)

O que fazer quando você – ou suas fontes – estão sendo seguidos (inglês)

Proteção e Segurança para freelancers (inglês)


A Repórteres Sem Fronteiras, ou RSF, da sigla em francês, é uma das ONGs líderes mundiais em defesa da liberdade de informação e da imprensa livre. Uma ONG independente com status consultivo junto à ONU, UNESCO e Conselho da Europa, tem sede em Paris, com escritórios em 10 cidades e correspondentes em 130 países.

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