Seleção do editor: as melhores reportagens investigativas em português de 2018

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Este foi um ano de transformações significativas no universo de língua portuguesa – em especial no Brasil, onde escândalos de corrupção seguiram levando políticos para a prisão e impulsionaram a candidatura de um candidato de extrema-direita para a Presidência. Neste ano, jornalistas não apenas expuseram práticas corruptas, mas também revelaram questões importantes sobre abuso sexual e sobre a prática de aborto no país. Breno Costa, editor da GIJN em Português, selecionou algumas das melhores investigações jornalísticas de 2018.

O domínio das milícias

Um dos grandes trabalhos do ano no Brasil, na área de jornalismo de dados, mesclado com investigação. O Rio de Janeiro é conhecido, além de sua beleza natural estonteante, por um nível terrível de violência urbana. Esse problema tem se agravado ao longo dos anos, com o crescimento de grupos paramilitares, formados geralmente por ex-policiais e com apoio de parte do Poder Legislativo local, que acabam usando práticas muito parecidas com os dos traficantes de drogas. Esse crescimento, com ameaças a civis e amplas práticas de extorsão a comerciantes e moradores, tem ficado cada vez mais assustador. As evidências indicam que o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março deste ano, foi praticado por milicianos.

Nesta reportagem do The Intercept Brasil, foi analisado um conjunto de 6.475 ligações anônimas feitas para o Disque-Denúncia entre 2016 e 2017. A conclusão é de que as milícias hoje já são mais presentes e ameaçadoras do que as quadrilhas de tráfico de drogas. Do total de ligações, 65% foram para denunciar práticas criminosas de milicianos.

O outro Bolsonaro

Jair Bolsonaro foi um fenômeno na política sul-americana neste ano. Replicando grande parte da ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos, o ultraconservador conseguiu ocupar o vácuo de poder aberto no Brasil depois da queda do Partido dos Trabalhadores e maximizado pela ampla desconfiança da população em relação aos políticos tradicionais depois do furacão gerado pela Operação Lava Jato. Bolsonaro se vende como incorruptível e livre de defeitos morais que possam contradizer seu discurso por uma nova política.

A revista Veja, durante a campanha eleitoral, foi quem mais chegou perto de mostrar um lado desconhecido do militar que irá presidir o Brasil. A partir do acesso a um processo judicial, três repórteres passaram cerca de um mês, no calor da campanha, aprofundando aquilo que estava documentado. Verificaram evidências, entrevistaram as pessoas envolvidas e contaram a história de como Bolsonaro virou suspeito de ter ameaçado de morte sua ex-mulher, ocultou patrimônio da Justiça Eleitoral, recebeu dinheiro de origem desconhecida, por fora de seus proventos oficiais, e, segundo sua ex-mulher, roubou um cofre na qual ela guardava joias e dinheiro – num total de US$ 400 mil. A revista passou a ser alvo de campanha negativa pelos apoiadores de Bolsonaro e pelo próprio candidato, que taxou a revista de ‘fake news’. O caso e eventuais desdobramentos ainda podem ser uma sombra no futuro governo.  

O patrimônio de Michel Temer

O presidente do Brasil, Michel Temer, está chegando ao fim de seu mandato com uma popularidade incrivelmente baixa. Ele foi diretamente beneficiado pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e assumiu o poder como líder maior do PMDB, um dos partidos mais corruptos do Brasil. Não demorou muito para surgirem evidências de crimes praticados por ele. No entanto, ele foi protegido pelo Congresso, que nunca autorizou a abertura de processo criminal contra Temer, como pretendia o procurador-geral. 

Esta reportagem é uma das únicas feitas sem depender de documentos presentes em inquéritos policiais. Numa apuração própria e bastante ampla, o repórter conseguiu mapear a real extensão do patrimônio do presidente e de sua família, saltando para cerca de R$ 33 milhões em imóveis em 20 anos – boa parte deles transferida para o nome dos filhos e outros parentes. Durante todo esse tempo, a única ocupação de Temer foi como deputado federal, com um salário insuficiente para construir essa rede de propriedades.

Endereços falsos, dinheiro real

Este trabalho da RTP conseguiu revelar como os congressistas de Portugal fraudaram informações sobre suas residências para ganhar recursos extras dos cofres públicos. Em vez de registrar como endereço os imóveis onde efetivamente residem, em Lisboa, eles indicam endereços mais distantes, que obrigam o Congresso português a pagar verbas extras para eles. Há casos em que parlamentares recebem, todos os meses, valores de 1.800 euros a mais do que deveriam receber. Para chegar a essa conclusão, a repórter cruzou dados dos 159 deputados que recebem verba de deslocamento com as informações de patrimônio e renda declaradas por eles à Justiça. Encontrou diversos casos de abuso.

Uma gorjeta para a Justiça

Durante cerca de um ano e meio de apuração, os repórteres foram coletando pequenas peças  de um quebra-cabeça bastante delicado. Reportagens que atingem magistrados no Brasil, especialmente aqueles da mais alta corte do país, tendem a despertar duas reações: processos judiciais por danos morais e a ativação do corporativismo da categoria. Os repórteres conseguiram mostrar, com muitos documentos e investigação detalhada, que o presidente do STF, que tinha salário mensal de cerca de R$ 30 mil, recebia há vários anos depósitos mensais vindos da conta de sua mulher, no valor de R$ 100 mil. Metade desse valor era depositado para sua ex-mulher. Tudo isso passa por um banco pequeno de Brasília, que jamais comunicou autoridades sobre as movimentações. Toffoli é o responsável por examinar 13 processos que envolvem o banco. Esse mesmo banco já aprovou, em 2011, com juros abaixo da média de mercado, um empréstimo de R$ 900 mil. O caso teve pouco efeito prático, o que mostra o intenso grau de corporativismo no alto escalão da Justiça brasileira. Toffoli segue como presidente da corte brasileira até setembro de 2020.

 

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Abuso sexual na ginástica

Uma reportagem histórica para o esporte brasileiro, conduzida pela repórter Joana de Assis, da TV Globo, durante quatro meses, a partir de uma pista pontual. Em 2016, um mês antes das Olimpíadas no Rio de Janeiro, foi divulgado que um técnico da equipe masculina de ginástica do Brasil, Fernando de Carvalho Lopes, foi afastado por conta de uma denúncia de abuso sexual. Como a repórter conta, a única informação que se tinha era que se tratava de um menor de idade. A partir disso, foram centenas de ligações para descobrir quem era a criança e o início de uma apuração que revelou que pelo menos 40 atletas e ex-atletas foram vítimas de abuso sexual pelo técnico, ainda quando crianças ou adolescentes. A reportagem ficou em terceiro lugar no Prêmio Latinoamericano de Jornalismo Investigativo, um dos mais importantes da região. Ele segue sob investigação do Ministério Público, que em breve vai apresentar uma denúncia formal contra ele pelos crimes praticados.

Clínica online de aborto

Fazer aborto no Brasil, a não ser em casos de estupro, pode render até quatro anos de prisão para a gestante. O país tem leis bastante restritivas em relação à interrupção da gravidez. Recentemente, a Suprema Corte brasileira aprovou o aborto em caso de fetos anencéfalos. E, no momento, está em discussão a possibilidade de deixar de ser considerado crime o aborto até a 12ª semana de gestação. Nesta reportagem da BBC, a repórter conseguiu acessar um grupo secreto de WhatsApp que orienta diretamente mulheres a abortarem com medicamentos ilegais em suas casas. É um grupo virtual, em que as participantes acompanham em tempo real os procedimentos. Em três anos, cerca de 300 abortos foram realizados. A reportagem tem o mérito de ter se aprofundado na dinâmica do grupo e abordar casos individuais, prezando pela preservação da identidade das mulheres.

Quer saber mais sobre jornalismo investigativo em português? Acesse GIJN em Português.


Breno Costa é o editor da GIJN em Português. ELe é fundador e chefe de Desenvolvimento Jornalístico do BRIO, um hub de produtos e serviços para jornalistas e estudantes da área, que oferece mentoria e consultoria para projetos jornalísticos. Breno foi repórter investigativo na Folha de S.Paulo e já publicou reportagens em publicações como The Intercept Brasil e revista Piauí.

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